Às Cinco da Tarde - (Panj é asr, 2003)
Dirigido pela iraniana Samira Makhmalbaf, seu terceiro longa metragem e segundo premiado pelo juri de Cannes demorou um pouco para chegar no Brasil. Foi rodado no Afeganistão logo após a queda do regime talibã, discutindo um tema dentro do contexto da época, porém agora já um pouco ultrapassado. Foi o primeiro filme a ser rodado lá após o Talibã ter sido derrubado e o tema é a questão do talibã com relação à mulher afegã.
Estreiou em Cannes no ano 2003 recebendo o prêmio do juri. Com roteiro em co-autoria com Mohsen Makhmalbaf, pai de Samira, e making off dirigido pela irmã mais nova Hanna (intitulado "Joy of Madness" - "Alegria de Loucura").
O tema central é a posição da mulher afegã durante a transição do fim do regime talibã para um sistema ainda indefinido de governo, com ocupantes militares ocidentais que ainda não sabem muito bem para quê estão lá, cuja situação fica muito bem ilustrada em um diálogo em que Nogreh, a protagonista, mulher afegã, tem com um soldado francês, que hesita ao responder por que está lá, dizendo que é por causa deles (os afegãos).
Foi filmado nas ruínas da cidade bombardeada Cabul, o que propiciou um excelente trabalho de direção de arte sem que se precisasse mudar muita coisa nas locações. O equilíbrio e a composição de tons beira a perfeição: um cenário praticamente monotônico de ruínas e deserto, e um figurino numa mistura de azul e tonalidades de beje pastel.
A situação político-social retratada mostra um povo migrante, que foi arrancado de seu território e agora busca um lugar para se estabelecer. E este aglomerado de pessoas itinerante colide-se com a família de Nogreh, a protagonista, que se muda diversas vezes fugindo da multidão.
Na família de Nogreh se desenvolve o núcleo dramático e temático do filme, funcionando como uma metonímia da situação geral da mulher dentro desta nova sociedade. O pai de Nogreh é um fundamentalista muçulmano, que vê o pecado e a blasfêmia cercando as ruínas de Cabul e obrigando-o a mudar-se cada vez para mais longe, em direção aos limites da cidade. E isso atrapalha os objetivos de Nogreh, que está começando a frequentar a escola agora que caiu o regime Talibã, que antes proibia que as mulheres tivessem educação. Ela tem um devaneio de tornar-se presidente do país e busca, insolitamente, este objetivo durante o filme. Ela esconde isso do pai pois este não aceitaria esse fato, que é contrário as suas crenças religiosas fundamentalistas, onde a mulher não deve ser autônoma e opinante.
O trajeto de Nogreh até a escola é outra grande metonímia do filme. Ela atravessa uma parte da região onde mora, cheia de fundamentalistas, passando no meio de cultos que pregam a submissão e a reserva da mulher; pregam a utilização da burca para esconder os encantos e a beleza da mulher. Na saída dessa parte da cidade Nogreh tira de sua sacola um sapato de salto alto e o calça, cena exaustivamente repetida durante o filme. Outra metonímia da postura da nova mulher, ainda escondida, mas tentando encontrar seu espaço na sociedade.
Além da direção de arte, com relação aos quesitos técnicos deste filme, cabe observar o trabalho de seleção e direção de elenco. O estilo de interpretação assumido neste filme fica entre o estilo do cinema novo iraniano, que é visto em filmes como "Salvem o Cinema" de Mohsen Makhmalbaf, "10", de Abbas Kiarostami - com técnicas de indução e contextualização de situação, não-interpretação e não-atores; e o estilo do cinema ocidental clássico norte-americano. A tendência do estilo clássico ocidental está mais presente na estrutura dramática do roteiro que no desempenho dos atores em si. Dá pra notar, ultimamente, uma certa mudança no cinema iraniano neste aspecto, caminhando em direção a um cinema de formato clássico e simples, facilmente digerível. Uma busca por popularização que acaba desvalorizando a tradição cinematográfica iraniana.
A direção de fotografia, embora com uma bela continuidade de luz e cor, sofre em alguns mo mentos por problemas técnicos de operação de câmera: pequenos erros de foco e pequenas variações de exposição irregulares.
A foto estaria excelênte não fossem estes pequenos problemas, que, ainda que ínfimos, prejudicam o padrão imprimido na maior parte do filme deixando o trabalho de foto irregular. Estes problemas talvez pudessem ter sido suprimidos na montagem que, apesar de boa, parece um pouco descuidada - realizada também por Mohsen, pai da diretora.
No filme vemos Nogreh totalmente perdida, sem saber por onde começar. O que talvez reflita um pouco a situação local naquele momento, e talvez ainda. A liberdade recém alcançada que ainda não serve de muita coisa.